sábado, 6 de fevereiro de 2016

alexandrino 2

"acendo outro cigarro... imperturbavelmente"(*)
e espero a morte vir de câncer ou de tédio
um imbecil me grita ao rádio: - siga em frente
que o mundo é belo e quente, e tudo tem remédio!

eu, puto como estou, se encontro esse demente
não sei se deixo quieto ou mostro o dedo médio
se procuro saber do fato e onde ele mente
pergunto quem tem dessa ou jogo o tal do prédio

a tosse volta forte, atiro o quimba fora
me volta na memória o Augusto e seu escarro
desligo o som do carro, a cada meia hora

a tosse vai-se embora e é nisso que eu me agarro
que se foda o pigarro, um dia o saco estoura
a morte ainda demora? acendo outro cigarro.
***
(*) verso de um soneto de Esio Antonio Pezzato

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

o dia é hoje mesmo

O dia é hoje mesmo
Sensual a moça
que muda de passeio
O sujeito a paranoia
cantando pavão misterioso
com a torpeza evidente.
Carmen é uma moça negra
extremamente jornalista
que gosta de pessoas e notícias
e graças ao deus foi embora

O Sol muda lento
há tempo demais para o Sol
saudades de anteontem
há tempo demais para o Sol
Como se contam os dias?

Há muitos pássaros por aqui
muitos porcos, galinhas, uns tantos cavalos
Há meninos brincando descalços
um ou outro Suicídio
sempre trágico, sempre violento, sempre engraçado
Mães xingam os filhos
de filhos da puta.

Medos atiram fogo no corpo, pulam de edifícios
trancam-se nos quartos, choram e se masturbam
Medos estendem suas calças,
ainda sujas do cagaço
nos varais, nas cercas, janelas
vão às igrejas, vivem para sempre,
e acham isso absolutamente natural.

***

14

1
minha es
tética a
linha a
métrica
tem po
ema
tema e
tempo
salto e
rrático
pauto
mático
tática as
falto

2

agora
eu posso
a própria
história

de fora
é osso
a cópia
escória

comigo
 umbigo-u
niverso

de início
meu vício
per verso

3

um, dois, três
e acabou-se
soneto és?
tens quatorze

sou freguês
há quem ouse
tem tal vez
pose e close

meu poema
clara e gema
que hoje é jum

para a Karen
pra clicar em
três, dois, um

4

de quatro é bom
dá pra por tudo
o clima, o tom
som, conteúdo
uns têm o dom
eu fico? mudo!
vou tentar com
esforço e estudo
pior que ignóbil
quebro o contrato
como um micróbio
cuspo no prato
e estou tão sóbrio
que faço o quatro

5

a redondilhinha
pequenina assim
com tudo se alinha
cabe o não e o sim
a sua e a minha
os meios e o fim
na paz e da rinha
nos outros de mim
sempre é musical
sonora e sutil
senso é essencial
serve não ser vil
faz um som legal
pu-ta-que-pa-riu

6

fica que lá tá fogo
se vacilar ‘cê roda
lá se folgar é rodo
ir cafungar tá foda
cá só colar tem jogo
lá sequelado poda
‘cê lá se encolhe todo
nada aqui te incomoda
se for pra lá não chora
lá cheirar dá desgosto
pra chegar lá demora
chegado fica exposto
aqui 'cê chapa agora
lá não relaxa, aposto.

7

procurando o vice-versa
reverso de se esperar
de convite pra conversa
meu vício versa no bar
desdém anda e se diz persa
conta branda à beira mar
um vento verde de inércia
ali vaga e vai ficar
passa a vista predileta
como nada fosse ainda
visita feito cometa
fez-se, foi-se, finge finda
co um cara assim tão careta
minha capeta mais linda

8

Às oito eu janto e acho difícil
fazer soneto. Um sacrifício
que só cometo por enquanto
pois logo, às oito, é quando janto.
Fica impossível, fico afoito
pra concluir antes das oito
ou perco o encanto e não prometo
- às oito eu janto. O meu soneto
tem que acabar senão esfria
o meu jantar. A poesia
se serve ao ponto, abre o apetite
e o prato pronto é meu limite
depois, prometo - até pernoito -
faço o soneto. Eu janto às oito!

9 (maldade)

Você vem defender que é ser justo
mas percebo, a maldade permeia
tão grosseira, agressiva, tão feia
que não dá pra encará-la sem susto
Orgulhosa de si, infla o busto
com veneno pulsando nas veias
pisa em cacos, mas sangra e não freia
porque importa vencer, não o custo
E você, por feitiço encantado,
da perversa se fez aliado
porque crê defender o direito
e então caça com fúria animal
atropela, arrebenta, afinal
qual justiça se faz desse jeito?

10 (completo)

seus olhos impossíveis no retrato
decerto são certezas e conflito
caminha exuberante como um mito
e em cada traço afasta o caricato
seu corpo expressionista é forma e fato
e a natureza planta um olho aflito
nas tintas que lhe escapam como um grito
liberto de vergonhas ou recato
repleto de passados e devires
carrega um trovoar e um arco-íris
um lustro de medalha e seu reverso
reflete força e dom de ser completo
como as vinte e seis letras no alfabeto
como um soneto em seus quatorze versos.

11 (quantos?)

de quantas desculpas se faz um soneto
viver num caixão não lhe cansa a postura?
se faz de defunto por pura frescura
ou jura que a glória é seu plano secreto?

com quantos remédios se cura esta febre?
qualquer droga serve ou não há que lhe salve?
se sofre o poeta o poema é suave
ou quando está grave acha bom que lhe quebre?

de quantos temores se faz poesia?
perverte a vontade ou respeita comando?
me empurra ou me para, sustenta ou vicia?

foi feita pra mim, pra você, todo o bando?
depois que escraviza concede a alforria?
é feita escrevendo, sentindo ou sonhando?

12 (exercício alexandrino)

Um mano sugeriu que eu fizesse um soneto
em verso alexandrino:  hemistíquios, cesura
a tônica na sexta, e, seguindo a moldura,
na décima segunda. Eu, por mim, não prometo

que saia grande coisa: esse ritmo é correto?
a rima é consoante, enlaçada e segura
só com palavra grave. Agradeço a leitura
porém já lhes advirto: isto é um mero projeto

não chega a ser poema, é somente exercício
pra sustentar o vício, o fetiche por regra
e aqui nesta bodega exercer meu ofício

que não é sacrifício, uma vez que me alegra
(e agora a rima pega... oh, meu deus, que suplício...)
Faltou a chave d ouro, eu já sei. Desapega.


13


14



15 (faixa bônus) barbaridades

“Encontrei este soneto no meu velho notebook” *
decidi que era um convite pra versar barbaridades
Escrevi metalinguagem, uso sempre desse truque
quando quero dizer nada, mas rimar com liberdade

Sei que o verso é tão comprido que não serve pra batuque
mas se o ritmo é bem marcado sempre tem sonoridade
boa. Posto para o grupo, o BdE do Facebook
meu soneto em 15 sílabas - tomatem à vontade!
Evidente que um soneto não é só questão de tônica
no lugar apropriado, esquema rímico ou a métrica
mas pra quem não tem barraco qualquer obra é faraônica
e pra quem só passa os olhos muita coisa soa hermética
Eu não acho que esta estética é assim tão anacrônica
que o nonsense seja crônico ou que a rima é só cosmética.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

recado

.
acontece que sei que seis leitores
visitam minhas páginas estranhas
e me perdoam linhas tão tacanhas
clichês, algum nonsense, os maus humores

e enxergam coisas boas nos meus textos
e embora eu saiba(eu sei!) que não mereço
tal gentileza ajuda no processo
e eu conto com o apreço - é meu pretexto

reposto aqui meus versos re-sentidos
como quem diz mentira ao pré do olvido
já que não tenho há tempos nada inédito

não quero que este blog morra inerte
no verso velho a verve se diverte
agradeço a leitura e gasto o crédito.
***

sábado, 16 de janeiro de 2016

Não amo

Tragédias e misérias escancaram
quão frágeis laços são
e fica o peito no fio
mínima gigantesca
força que rompe inércia

Não, eu não amo
não amo o bastante, então
não amo.
E isso implica

desejos de fim, comorbidade

olhos de ódio, chavões
o que ocorre
comezinhas aporrinhações

Não, eu não amo
e isso implica raiva
frustração, desapontamento

tremores doentios na noite quente
acréscimos monumentais de silêncio
a volta triunfante da inspiração

Não amo e noites frias na cadeira
doses cavalares de videos bobos
sexo sonolento, favores
comprometimentos vulgares.

E saber-me faz o quê?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

bichos que voam

Encontro de corpo solto e corpo
solto
poesias entre-
tantas outras linhas
-cortadas.
E movimento circular é dança
nuvem de imaginação
voo livre
pra longe daqui
longe de longe de longe
daqui.

Olha, nada sei de beleza além da compreensão
nada sei de distinguir
coisas feias de coisas tristes
mas repara...
a arrogância dos insetos
a arrogância dos felinos
a arrogância dos modestos
a arrogância dos cretinos.